Curitiba Crônica: Não é sobre inverter papéis.

Foto de Phillipe Halsman.

"Não é sobre inverter os papéis.

Há um tempo atrás, impulsionada por várias postagens no Facebook, assisti ao filme da Netflix "Eu não sou um homem fácil". A maioria promovia o filme com frases como "Todo homem deveria ver este filme" ou "Serve para todo homem entender um pouco mais sobre o que é o machismo" ou, ainda, "Machistas do mundo, assistam!". Não sei se o filme tem este poder de modificar ou impactar uma pessoa machista como se é esperado, pois neste sentido, as provocações parecem ter ficado na dimensão do combate ao machismo pela empatia, o que é extremamente difícil. Acredito que podemos ir além no que este filme nos mostra.

O que aponta o filme, mais do que uma inversão de papéis com cara de "se eu fosse você", é o estabelecimento claro das posições de poder, da dinâmica: "dominante (homens) versus dominado (mulheres)". Neste ponto, o que salta aos olhos é o quanto essas posições de poder se tornam cômicas a partir, apenas, da sua troca. Nos divertimos ao ver o outro passando por situações que são penosas para nós; Nos surpreendemos com as situações que nos fazem sofrer quando as vemos na pele de quem não às sofre: como a depilação, o julgamento dos pais perante a solteirice ou a relação com a autoimagem.

Ao revés, é possível ficarmos chocados, observar como são questionáveis e finalmente perceber como bizarros os atos machistas quando interpretados por alguém que não caracteriza habitualmente aquele papel. Quão estranho se torna a atitude (frequente por parte dos homens) de pedir "uma chupada" no ambiente de trabalho quando ela parte de uma mulher? O filme escancara o hábito da dominação, o estranhamento da inversão desses papéis e, com isso, o ridículo dessas posições. Tanto para homens, quanto para mulheres. O que se discute neste filme não é o gênero em si, mas o quanto as posições ocupadas por ambos, em até certo ponto, provocam riso, escárnio, estranhamento quando ocupadas pelo outro. Para esclarecer, basta inverter. Porém, para uma real mudança é necessário reformular.

É justamente neste ponto que entra a verdadeira definição de feminismo. Não queremos trocar, substituir ou inverter posições, porque isto seria, como mostra o filme: cômico ou ridículo (na medida do cômico). O que se quer é estabelecer igualdades onde elas nos cabem. Como diz Boaventura de Souza Santos: Temos o direito de sermos iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. Um dia chegamos lá!

Stephanie Figueiredo Urbano

O texto é da Stephanie Figueiredo Urbano, Psicóloga e ex-atuante do Direito. Atualmente trabalha como Psicóloga Analista de Saúde e Segurança de Trabalho em uma multinacional do setor de óleo e gás e atende como Psicóloga Clínica em Curitiba. Escreve porque às vezes as palavras e questões ocupam espaço demais na cabeça.

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